Amissina Patrício, Mecufi

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Antes da guerra, nós tínhamos as nossas coisas, machambas, animais, a nossa maneira de viver. Nós perdemos as nossas famílias, filhos, irmãos, pais, mães. Mesmo a minha irmã, levaram e não tenho mais esperança de a voltar a ver. Vivemos com medo de mais violência e do que vai acontecer no futuro.

O dia em que as coisas começaram, eu lembro bem… É nossa tradição acordar cedo e ir buscar água. Então, três moças da nossa aldeia foram muito cedo no poço, antes de começarem o trabalho nas machambas. Essas moças, no caminho, encontraram com um grupo de insurgentes. Os insurgentes perguntaram se tinha tropas na zona. As moças responderam que não, então eles disseram, “Vão e não digam que nos viram. Se disserem, vamos entrar e queimar todas as casas e matar todo o mundo!”

Eu vivo próximo do poço. Perguntei, “Porquê estão a chorar?” Elas não responderam, mas eu mostrei persistência e acabaram revelando o que aconteceu. Foi aí que alguns dos nossos homens saíram com armas para o poço e viram pegadas de botas. Daí, ligámos para as autoridades pedindo socorro.

Logo que o helicóptero do reforço aterrou, começaram a trocar tiros e o inimigo acabou fugindo, mas depois foram atacar as aldeias de Muaja e Naputa. A população toda fugiu, fomos no mato e ficámos lá escondidos durante cinco dias. Quando começou a chover, nos perguntámos o que faríamos. Vimos que voltar para casa não dava e seguimos viagem. Eu vim com esses três filhos, as crianças da minha irmã estão com o meu cunhado aqui.

Ano passado, quando ainda estava no primeiro centro, chegaram uns activistas e selecionaram dez mulheres para serem capacitadas, eu estava nesse grupo, até já cheguei em Maputo. Aprendíamos sobre violência física e que a mulher não deve somente esperar o marido, deve ser activa para ajudar em casa. Aqui no centro, escolheram-me para ser activista por ver que sou uma mulher aberta, activa e sei falar. Sento com as mulheres e sensibilizo-as para serem dinâmicas, não ficarem isoladas, também mobilizo mulheres para dançar Tufo. Cantar e dançar ajuda a esquecer muita coisa.

No primeiro centro, de onde estamos a sair, cada um ia com um prato receber comida, depois reclamámos porque a comida nunca chegava. Pedimos para passarmos a cozinhar sozinhos para podermos dividir melhor a comida. Agora dão-nos arroz um mês sim e depois passamos o tempo de 2 meses sem receber nada, e quem recebe é o homem, mas antes era a mulher. O problema é que o homem tem várias mulheres, uma num centro e outra no outro, uma mulher pode ter nome na lista para receber, enquanto no outro centro o marido recebe. Então, o marido terá de repartir o que recebeu entre as duas esposas, enquanto uma delas já recebeu, isso prejudica aquele que não tem nome na lista.

Temos muitas preocupações aqui, não temos machambas para produzir comida, escolas e hospitais também não temos, dormimos no chão, faltam panelas, água de beber, e com as chuvas alaga tudo aqui. Gostaria de voltar para casa, para trabalhar na machamba e alimentar os meus filhos. Eu tinha uma machamba de 13 hectares, com papaieiras, bananeiras, mangueiras e outros produtos. Até tinha pessoas que trabalhavam para mim. Assim que ouvir que está seguro, eu volto.