Flávia Nicolau, Pemba

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Eu sou líder, sou chefe de uma célula no bairro Josina Machel, em Pemba. Durante mais de vinte anos, trabalhei como activista social, com saúde, nutrição, direitos da mulher e violência doméstica. Faço este trabalho porque tenho paixão por aconselhar mulheres como eu.

Aqui em Pemba, eu só comecei a ouvir que entraram em Mocímboa da Praia, entraram em Muidumbe, em Macomia. Foi assim que a população fugiu para aqui. Então, quando procurasse saber quem são, diziam Al-Shabaab.

As pessoas dizem que no país onde há combustível, onde há gás, onde há rubi, não falta conflito. Então, devido a tudo isso, esses insurgentes vieram atacar, ocupar alguns distritos à força. É isso que as pessoas dizem.

Eu acompanhei todo o processo de pessoas deslocadas de outros distritos para aqui, foi um cenário muito triste e preocupante, o número de habitantes aumentou de um dia para outro. Aumentou o número de crianças na rua. Mesmo nas Sextas-feiras, você encontra uma criança de 6 ou 7 anos a pedir esmola. Roubo noturno também aumentou porque a maioria não faz nada. 

Aqui tivemos alguns problemas. Até tive de convocar uma reunião, tinha deslocados que desde que chegaram, ainda não tinham beneficiado de nada. Disseram, “Façam levantamento, tragam-me as listas”. Fiz o que me pediram, trouxe a lista, compilei, agrafei. Até a assistente da Administradora perguntou, “Shiiii Flávia, tudo isso?” Eu disse, “São deslocados!” Foi assim que os benefícios chegaram às pessoas daqui.

Desvio de cheques também é uma coisa que tem acontecido. Uma pessoa enquanto tem nome na lista, chega, dizem que o cheque já foi levantado. Já presenciei isso 4 ou 5 vezes na minha unidade. Então, muita das vezes é o secretário do bairro, porque se perguntarem, ele nem conhece o nome da pessoa que levou o cheque. Eu digo, “Não vou aceitar ver uma família que perdeu tudo, que está traumatizada, perder comida. Você que está aqui com casa, esposa, filhos, vai tirar da parte dele, não aceito. Dê a João o que é de João!” Depois me dão as costas, fazem oque eles sabem. Eu estou na minha missão.

Para mim, a parte mais difícil desta situação de guerra, como eu não vi, foram outros a contar, é saber que até mataram pessoas com faca, queimaram casas que as pessoas construíram, se sacrificaram durante anos para construir, eles só chegavam e tiravam aquelas pessoas das suas terras. Eu vi como as pessoas chegaram aqui, sem nada.

Uma pessoa no seu próprio país não pode viver com medo, viver com uma perna dentro, outro fora, não pode. Se o governo já descobriu quem está a fazer isto, gostaria que falasse com a tal pessoa, fosse negociar, como fizeram com o Dhlakama no Acordo de Paz. Para haver paz tem de haver diálogo. Sem diálogo, nunca estaremos em paz, isso não há-de acabar. Hoje está a acontecer em Cabo Delgado, amanhã será em Nampula, na Zambézia, no Niassa, o nosso país é rico.