Awa Jorge, Macomia

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Estudei até à 12ª classe. Queria ser professora de Português, mas depois tive de voltar para casa da minha mãe e não tive condições para continuar. Em 2018, fui a Montepuez para iniciar uma formação de professores. Quando lá cheguei, procurei o meu nome na lista, vi que os nomes apurados eram pessoas de Maputo e de outras províncias, daqui nada.

Há muito tempo que se sabe deste conflito. Não sei se foi em 2017 que começou, não sei, o que sei é que os insurgentes chegaram em Macomia, dispararam. Pararam na estrada de Mucojo, de Pemba, e de Mueda, dispararam. Foi o momento em que nós conseguimos entrar no mato e fugir.

. Os militares não fizeram nada, eles também fugiram. Mesmo tendo armas, eles tiveram medo. Até no mato, encontrámos o corpo de um militar morto pelos insurgentes. Assim, soubemos que estávamos por nossa conta.

Quando os insurgentes chegavam, eles levavam aquelas bonitas e as feias mandavam para casa. Não sei se era por serem claras. Houve uma dessas claras que arrancaram do marido, dizendo, “Esta é bonita, vai ser mulher do chefe!”

Havia também mulheres que sofriam violência quando as encontravam no mato, algumas eram batidas, iam buscar mandioca seca, batiam, outras eram amarradas. Já os homens eram batidos e senão fossem socorridos, eram mortos. As mulheres batiam e deixavam. Eram essas as histórias que ouvíamos, enquanto nos afastávamos de casa, eu, o meu marido, a família do meu marido e a criança da minha irmãzinha.

Chegámos aqui há um ano. O meu marido costumava fazer portas. Quando chegámos aqui, no ano passado, ele tentava fazer portas para vender na sede, mas ninguém comprava. Ele não me dá nada, está a dizer que não tem nada porque não está a fazer nada. Não temos lonas, pratos nem baldes. Nos primeiros tempos, quem nos dava comida era o PMA, agora chegou a AMA.

O hospital está muito longe, temos de ir à aldeia à procura de mota para lá chegar. Energia também não tem. Para carregar o celular, vamos no bairro levar emprestado o painel solar e pagamos 10 Meticais por cada vez que usamos. Na escola, a sorte de algumas crianças é que foram inscritas e estão a receber aulas aqui mesmo, com professores que vêm da aldeia.

Eu gostaria de falar com o governo para acabar com a guerra. Tendo essa oportunidade, ia contar-lhes que aqui, onde estamos, os donos nos vão fazer de escravos, a cultivar para eles em troca de pão. Foi assim desde que aqui chegámos. Se não conseguirem acabar com esta guerra, é melhor trazerem apoio de comida e vestuário para as pessoas, porque nós não temos nada.